domingo, 13 de janeiro de 2013

Plantação

         


         Ela não sabia mais o que fazer. Só sabia chorar, deitar e nem comer, comia mais. Deixou de gostar do que gostava, de admirar quem admirava e de fazer o que fazia. Os vizinhos, que começaram a estranhar, correram pra sua casa para descobrir o porque de seu sumiço. Chegaram na casa e a encontraram deitada, só de calcinha e sutiã, com aqueles mesmos olhos manchados de preto. Essa mancha preta nos olhos das mulheres daquela cidade já era mais do que normal. Já era marca. Marca de que finalmente viraram mulheres e de que tiveram sua primeira desilusão. Perceberam que Cidinha estava daquele jeito pelo mesmo motivo das outras: sofria de amor.
             Procuraram Carlos e ouviram falar que, sem nem deixar recado e sem se preocupar com ninguém, partiu pra outra cidade a gargalhadas. Todos se entreolharam e não sabiam o que fazer. A situação era por demais recorrente, mas logo com Cidinha e Carlos? Os dois, casal 20 da cidade, onde se via um já se esperava pelo outro, riam de forma parecida, tinham até cabelo parecido e até marcaram o corpo com figuras iguais. Era estranho imaginar que dentre os poucos mil habitantes da cidade, aqueles deixariam de ser um e se tornariam de novo dois. 
         Depois de muito café com pinga, decidiriam procurar pelo seu Divino. A plantacão que ele possuía logo na saída da cidade fora a salvação das que antes sofreram do mesmo mal. Claro que muitos eram contra: a salvação daquela platação entrava em contradição com toda a religião da cidade. Os velhos consideravam seu Divino bruxo, místico, safado e aproveitador. Alguns até chegam a dizer que é um grande de um galinha, que de tanto fazer meninas, hoje senhoras, chorarem, se tornou um especilista em curar as pessoas do sexo oposto - clientela bruta, afinal, homem nem tinha o porque de chegar lá perto. 
       Enfim, precisavam salvar Cidinha. E não havia pinga nem tempo nem remédio nem reza nem faca nem sono e nem cama que a salvaria daquele sofrimento. Todos sofriam junto com ela. Menos o falecido, que numa era dessas já estava sabe Deus onde. Maria Dolores, mãe de Cidinha, seguiu em direção a casa de seu Divino. E no caminho, rezando e pedindo perdão a Deus por ter que precisar da ajuda daquele sem vergonha, Maria já sentia o pulsar da plantação. Sem folêgo, desceu e amarrou seu cavalo num toco. Chegou lá e viu de novo. Ninguém sabia, mas vinte anos antes estivera aqui, neste mesmo lugar, com esses mesmo desespero. Bateu palmas três vezes: - ô de casa! Seu Divino!
        Seu Divino saiu, todo garboso, com seu cigarro de palha na boca. Sorriu, já sabia o que Maria Dolores queria. Todas queriam. Não tivera uma na cidade que escapara. E ele achava pouco. Ficava cada vez mais rico.
          Se dirigiram a plantação, que ostentava demais. Grande demais, vermelha demais, pulsante demais. 
         - Pode escolher. Qualquer um, mesmo preço. Só os da direita que são mais caros porque são recorrentes e agora são três vezes mais fortes. De resto, sua filha que vai ter que tomar providência, porque, como já corre pela cidade inteira, o dela já era.
      Maria Dolores então escolheu e saiu da plantação aos prantos. Mas no caminho, a calvagar, parou pra pensar e chegou a conclusão de que, talvez o sentimento de se ter um novo coração seja melhor do que sofrer por um coração que já não se tem mais. 
            Chegou em casa, limpou os olhos de sua filha e deu à ela o seu remédio. 
         Seu Divino deixou de existir pouco tempo depois, assim como sua plantação. Ninguém sabe, mas os pingos de amor cessaram e a procura e a demanda de novos corações cresceu tanto que ultrapassou os limites daquele povoado. Depois de certo tempo, não tinha dinheiro que comprava e nem terra que se trocava. Coração intocado, virgem, recém saído da terra acabou por virar lenda. Muitas ainda acreditam: procuram entre as plantações de soja, corações imaculados.















mb.